De avental
Com a decadente classe política em pânico pelas revelações do tráfico de influências no seio de ridículas organizações secretas, a confirmação da importância do lóbi que controla o futebol há mais de 20 anos, pela voz de um dos protagonistas, foi apenas uma coincidência.
Os portugueses há muito se habituaram aos critérios de seleção, promoção e apadrinhamento, num país que inventou o provérbio secular de que mais vale cair em graça do que ser engraçado.
António Oliveira não fez qualquer revelação, apesar de espanto de algumas virgens. Limitou-se a confirmar com 20 anos de atraso o que alguns denunciaram insistentemente no tempo devido, em particular neste jornal, malhando a sua coragem em indignos processos judiciais em que figuraram como réus da defesa da verdade.
Dirigentes, treinadores, jogadores e até, jornalistas convivem há muito com a espiral de dependência que sustenta o sistema - o famoso nome próprio desta extraordinária familia. Ser escolhido ou sentir a injustiça do ostracismo, estar na berra ou passar à marginalidade são consequências evidentes do "modus operandi" a que se referiu o ex-devoto do S.Martinho de Penafiel.
Sob o lema "quem não está por nós é contra nós", este poder avassalador da indústria da comunicação e do espetáculo futebolístico em nada diferiria do jogo de cadeiras de uma loja maçónica, se os aspirantes também usassem um aventalzinho bordado. Mas quando alguém procura resposta para determinados enigmas, carreiras fulgurantes, sucessos improváveis, milagres de competência, não é difícil descobrir de quem é a mão que segura a ponta da meada.
Noutro contexto e uns bons milhões de euros antes da epifania de sábado à noite, tinha a mesma figura reclamado ao país uma estátua para aquele santo, pela capacidade benemerente de manter vivos vários clubes moribundos que só chegaram ao século 21 porque os direitos de televisão lhes foram generosamente pagos antecipadamente, em troca de participações e controlo societário, desafiando os preceitos da FIFA e do Fair-Play.
Tudo isto é conhecido há anos e historiado nos momentos oportunos, mas apenas resultou no afastamento de muita gente de bem do associativismo desportivo, a que António Oliveira agora se junta de baraço ao pescoço. Desse tempo de denúncias improfícuas e batalhas quixotescas subsistiu a crença popular numa "máfia" virtual que está sempre por detrás das derrotas, mas à qual também muitos se comprazem em vanglorizar os poderes quando os resultados são positivos.
Colocar um irmão a selecionador nacional ou um amigo a ministro é privilégio de poder, eventualmente abusador da coisa pública e do interesse social, mas não é crime. Criminoso é assistir impávido e resignado ao tráfico de benesses entre a casta dos eleitos. E concluir que não há nada a fazer: com avental à cinta ou charuto nas beiças, este país e este futebol não precisam que lhes digam quem são os donos.
João Querido Manhã
Blue Box Belenenses tem dito: Isto não é uma novidade assim tão aparente como se pensa, podem ter a certeza que as virgens ofendidas são aquelas que por força de amarem um espetáculo como o futebol se foram perdendo noutros desafios e entretimentos porque de alguma maneira se sentiram que o futebol já não tinha interesse. Por um ou outro motivo entenderam assim, mas não necessáriamente por haver este ou aquele lóbi de bastidores que acumula fortunas ao prejudicar uns e dar o melhor aos outros. A máquina de fazer dinheiro à conta do futebol e os caminhos que permitem fazê-lo, muitos não o vêem credíveis, e sentindo-se prejudicados nas suas vidas pessoais, sim porque isso tráz inconvenientes vários,é um motivo também para o afastamento. A pergunta que se faz é a mesma de alguns anos, com o caminhar da carruagem, os clubes que chegam ao prazo de serem financiados pelos acordos de transmissão televisivos onde irão parar se não obterem classificações dignas de se manterem no principal escalão, onde a fatia é apetecível e salvadora para a maioria? Mais, e o que mais me preocupa na dimensão de belenense, será que podemos contar com tantos aqueles que já nos seguiram e que agora estão de fora à conta por parte de grande despesismo dirigista que nos afectou tanto? Uma coisa com outra, não é preciso ter bola mágica para ver que colaborámos com o sistema.
14:59
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