De todos os clubes por onde passei, este é o único pelo qual me fiz sócio. Fomos conhecer José Sousa, líder da equipa técnica dos juniores do Belenenses, de 36 anos, Nível II de Treinador.
Com esta entrevista, gravada no passado dia 6 de Novembro, tivemos como objectivo dar a conhecer a pessoa e o treinador. Como jogador, a sua carreira é bem conhecida do grande público em geral e do belenense em particular, considerando as suas cinco épocas de casa (entre 2002 e 2007). Hoje treina os juniores, tem um papel de formador, mas já foi formando, primeiro na Sanjoanense, nos derradeiros três anos no Benfica.
Como compara a formação na actualidade com a que se praticava na sua juventude?
Na Sanjoanense as coisas eram um bocadinho mais à vontade. Apanhei aí treinadores muito competentes, mas com uma metodologia de treino completamente diferente da actual. Não direi que estariam certos, nem errados, porque o facto é que dessa escola saíram muitos e bons jogadores. Já no Benfica, cruzei-me com uma pessoa extraordinária, com a qual contactei ainda há bem pouco tempo. Refiro-me ao Professor Arnaldo Cunha, sem esquecer também o Professor João Santos.
O Professor Arnaldo Cunha era o treinador principal, pessoa extremamente competente e fantástica, um ser humano fabuloso que me ajudou de uma maneira que me marcou imenso. Foi o meu primeiro treinador de futebol profissional, por assim dizer. Cheguei em juvenil mas, do modo como treinávamos, todos os dias e, na pré-época, de manhã e à tarde, éramos quase uns pré-profissionais. Graças a ele, pude permanecer no Benfica e consegui terminar a época muito bem. Já nessa altura trabalhava a um nível altíssimo. Remontando a 1994, via-o trabalhar em termos de metodologia, por sectores, mesmo no capítulo do trabalho de força e resistência, tudo o que se fala hoje já ele o fazia com qualidade e de forma muito semelhante. Daí se explica os títulos do Professor Arnaldo Cunha, com um curriculum fantástico, Campeão Nacional de Juvenis imensas vezes seguidas.
E que comparação faz entre o Belenenses de hoje e o de há dez anos atrás, então como jogador?
Cheguei ao Belenenses na época 2002/2003, por empréstimo do FC Porto, e vim encontrar um clube saudável, com ordenados agradáveis e sempre em dia. Recebíamos pontualmente por volta do dia 1. O Clube aspirava às posições cimeiras, entre o quarto e o sexto lugar, o que era fácil de alcançar porque tinha jogadores de muita qualidade e capacidade para os contratar.
A história dos últimos anos é conhecida. O Belenenses actual está longe do que cá encontrei. Mesmo assim, está a recuperar e encontra-se numa situação bem mais agradável do que a de há dois ou três anos atrás. O regresso à Primeira Liga veio ajudar imenso a dar a volta por cima, em termos financeiros. O Mitchell van der Gaag está a desenvolver um trabalho muito interessante no futebol profissional, a que o mister Marco Paulo veio dar continuidade. Por este caminho, o Clube poderá aspirar a reerguer-se ao nível a que chegou num passado recente, pensando nomeadamente em termos de marcar presença em finais da Taça de Portugal, ou chegar a um quarto ou quinto lugar no Campeonato. Nós conseguimo-lo em 2007, um quinto lugar, com o Jorge Jesus.
No total, foram 14 anos como jogador sénior dos quais, para além do Belenenses, sublinhamos as duas épocas no Benfica (entre 1997 e 1999), onze internacionalizações pela Selecção "Sub-21" e ainda uma incursão pelo campeonato cipriota, em representação do Olympiakos Nicosia (2007/2008). Consegue destacar uma época que lhe seja mais especial?
Foram bastantes épocas boas e agradáveis, de modo que não consigo destacar uma em especial. Poderia falar do Benfica, onde fiz dois anos como sénior, mas teria de falar em todos os outros. No FC Porto estive um ano, nunca cheguei a jogar oficialmente, mas é um clube onde as pessoas têm um trato com os seus atletas que é inigualável. Fiz também um ano em Braga que me correu especialmente bem, tanto em termos desportivos como pessoais. Adorei lá estar. No Belenenses fui muito feliz. Este foi o clube onde mais épocas estive. Sentia-me bem e resolvi estabilizar aqui. De todos os clubes por onde passei, este é o único pelo qual me fiz sócio.
O Sousa é também muito recordado, no Benfica de Souness, pelo jogo de Alvalade da época 1997/1998, em que venceram por 4-1 e lhe coube a si marcar o segundo golo. Terá sido esse o seu momento mais marcante, ou guarda memória de outros?
Esse foi o jogo que mais me marcou, sem dúvida. Tinha 20 anos, estava praticamente a começar a minha vida profissional enquanto jogador a sério, no meu primeiro ano de Benfica, em que as coisas me correram muito bem. O golo foi o coroar de uma época ascendente. Depois desse ainda marquei mais alguns ao longo da carreira, não muitos, e nunca com a importância daquele.
Sempre foi lateral-direito, ou chegou a desempenhar outras funções no relvado?
Desempenhei outras funções também. Aliás, ao longo da minha vida joguei sempre como avançado, centro, direito ou esquerdo. Nunca fui defesa-direito. Na Sanjoanense era avançado e, como tal, estive em Lisboa num Torneio Inter-Associações, de Sub-13, onde fui o melhor marcador. Aliás, sobre isso tenho uma história gira. Um dia estava eu na Selecção Sub-21 com o Professor Jesualdo Ferreira e ele perguntou-me "lembras-te daquele prémio que recebeste, como melhor marcador"? É claro que me lembrava e ele "sabes quem to entregou"? Confessei-lhe que não, "desculpe Professor, mas na altura vinha lá de cima, não faço ideia". "Pois fui eu", retorquiu. Foram sete golos, se não me engano, em representação da Associação de Futebol de Aveiro, que terminou em quinto lugar.
Fui internacional Sub-15, então pela Sanjoanense, como ponta-de-lança e, mais tarde, voltei à Selecção não nessa posição, mas como defesa-direito. Na formação do Benfica fiz épocas fabulosas como extremo, direito ou esquerdo, e só no último ano de júnior, com o mister José Augusto, passei para defesa-direito. Em boa hora o fiz, porque foi nessa posição que consegui fazer carreira no Benfica.
No Alverca, com o Professor Arnaldo Cunha, aí jogava no meio-campo e fiz uma época óptima no meu primeiro ano de sénior. Na seguinte também comecei no meio-campo, pelo Alverca, até à segunda jornada. Frente ao Paços de Ferreira fiz um jogo fabuloso, com um golo e uma assistência. O mister Manuel José viu e recrutou-me para o Benfica. Na altura o Alverca era satélite, de modo que podiam transitar jogadores de um lado para o outro.
Fui chamado ao Benfica para um amigável, numa Quarta-Feira, frente à Arábia Saudita, um jogo do qual nunca me hei-de esquecer. Estávamos a perder por 1-0 e de uma jogada minha, com cruzamento, marcou de cabeça Martin Pringle. Depois houve uma situação das mais caricatas que tive na minha carreira. Eu no Alverca batia as bolas paradas. Ora houve um livre à entrada da área, estava o João Pinto a pegar na bola e eu, com os meus 19 aninhos, fui e perguntei "posso bater"? O João riu-se na minha cara, mas respondeu "toma lá a bola miúdo, marca golo". E foi o que eu fiz. Marquei o 2-1. No dia seguinte os jornais era publicitado como "lateral das arábias", "já temos lateral-direito" e "sucessor de Veloso". Foi um momento giro. A partir daí estabeleci-me no Benfica como defesa-direito.
Como encarou essa publicidade, a de ser o novo Veloso?
Foi muito giro. Eu tinha uma cumplicidade muito grande com toda a família Veloso. Passava fins-de-semana em casa do António, porque os meus pais eram conhecidos. No início da carreira tive momentos difíceis quando cheguei ao Benfica, e tanto o Veloso como a sua mulher Teresa ajudaram-me imenso. Juntamente com o Professor Arnaldo Cunha, convenceram-me a não desistir do futebol porque eles tudo fariam para que eu conseguisse vingar. Marcaram-me imenso. Para mais, o Veloso foi "capitão" do Benfica durante muitos anos e uma figura carismática do seu futebol, pelo que a comparação deixou-me orgulhoso.
Dentro das pessoas pelas quais se cruzou no futebol, tem mais alguém que gostasse de recordar em especial, para além do Professor Arnaldo Cunha?
Sim, só que teria de falar em muita gente. De uma forma ou de outra, todos os treinadores contribuíram para que eu tivesse sido melhor jogador e hoje, treinador. Há dias falei sobre isso com o Professor Arnaldo Cunha. Agradeci-lhe imenso. Ele ficou sensibilizado com as minhas palavras, mas não me canso de o repetir. Aprendi muito com ele, como Homem, treinador e jogador. Deu-me uma lição de vida e persistência, uma base de ensinamentos sempre actualizada. Como jogador, percebi que teria de lutar muito. Hoje sou treinador e sinto-me influenciado por ele na parte em que importa ser humano e estar lá, quando dele precisarem. Se um atleta for ajudado da forma como eu fui, duvido que algum dia na vida se esqueça disso.
Como foi a entrada e percurso no mundo dos treinadores, pela formação do Vila Verde?
Juntei-me ao Marco Paulo, sendo ele o responsável. Tentei ajudá-lo ao máximo. Estive ligado a vários escalões, foram três anos óptimos e muito intensos. Lidei com miúdos, desde os 6 aos 14 anos, o que me deu uma capacidade para compreender o que vai por aquelas cabecinhas, ao lidar com vários tipos de personalidades e feitios.
E como se proporcionou a sua entrada no Clube?
Isso foi este ano, também com o Marco Paulo. Ele entendeu que deveria fazer parte da sua equipa técnica. Acho que foi um reconhecimento das minhas qualidades e caracteristicas, quer como Homem, quer como treinador. Endereçou-me o convite e eu respondi-lhe que sim. Hoje o Marco está noutro projecto, com os séniores, e eu fiquei como treinador principal dos juniores. O futebol tem destas reviravoltas e há que tentar agarrar as oportunidades que nos são dadas. Deus queira que tenhamos os dois muito sucesso.
Em termos de futuro, até onde ambiciona chegar?
Acima de tudo, ambiciono aprender imenso. É isso que nos enriquece enquanto treinadores. Ambiciono aprender em todos os treinos, que são um desafio. Ambiciono também aprender com todos, desde o roupeiro até aos jogadores, sem esquecer os meus adjuntos, pessoas muito competentes e fantásticas, e ainda com os demais treinadores da casa, pela partilha de experiências. Um treinador tem de ter a humildade para perceber que há sempre coisas novas a aprender e situações a que é preciso estar atento.
Ser treinador é um caminho que uns têm mais facilitado do que outros. Só tenho de lutar para tentar melhorar a cada dia que passa e, se o conseguir, a qualidade do meu trabalho há-de aparecer, juntamente com as oportunidades. É o normal.
No imediato, temos o Nacional de Juniores, duas jornadas após o meio da Primeira Fase, com muito campeonato pela frente. Está tudo dentro das expectativas? O que se poderá esperar ainda do Belenenses?
Por enquanto, as coisas estão dentro do planeado. Estamos cientes das dificuldades. Agora, tanto eu, como o Pedro Figueiredo, o Paulo Duarte e os dois estagiários que estão connosco, isto é, toda a equipa técnica, aqui ninguém pensa noutra coisa que não seja passar à Segunda Fase para disputar o apuramento do Campeão Nacional. Traçámos o caminho, com o qual todos nos comprometemos e que é um só, o de ganhar jogos. Já transmitimos a mensagem aos jogadores, em quem acreditamos porque são uns miúdos com um carácter fabuloso, todos eles. Cabe-nos, enquanto treinadores, saber motivá-los e orientá-los pelo caminho certo, utilizando da melhor maneira as qualidades que têm.
Fora disto, desenvolve alguma outra actividade profissional?
Não. Estou aqui a 100%, empenhado com os juniores.
Nem mesmo no ensino, por exemplo?
Não, até porque também não sou licenciado. O futebol é a minha única actividade profissional e espero poder continuar assim, que é sinal de que as coisas estão a evoluir.
E hobbies, que não envolvam futebol, tem algum que gostasse de partilhar?
Sempre que a minha vida o permite, para além da componente familiar, uma vez que não prescindo de estar com os meus filhos e partilhar momentos fantásticos com eles, adoro ir à pesca ou jogar golfe. Gosto imenso de jogar golfe, algo que não faço há já bastante tempo. Por sinal, até tinha um convite para jogar no fim-de-semana, mas não vai dar.
Com o treinador Marco Paulo? Consta-se que ele também tinha esse hobby, o do golfe.
Exactamente. A nossa amizade já vem de há muitos anos, de quando éramos jogadores de futebol. Foram três anos na mesma equipa. Iniciámo-nos também no golfe ao mesmo tempo e há muitos anos que o praticamos juntos. Tem sido o meu companheiro, por assim dizer, em muita coisa.
Como se descreveria a si próprio, como pessoa?
Acima de tudo, e essa é a minha maior virtude, sou um ser humano extremamente exigente. Sempre o fui para comigo mesmo, em tudo o que fiz na vida. Por isso não vejo as coisas de maneira diferente quando lido com os outros. Sou super-exigente para com os juniores do Belenenses. Não há outro caminho para o sucesso. Exijo o máximo, para que eles me possam confrontar também com as suas exigências , sou uma pessoa extremamente humana e até tolerante, para certo tipo de situações.
Tem uma última mensagem que gostasse de acrescentar, à guisa de conclusão?
Gostaria de deixar uma mensagem aos meus jogadores, de agradecimento por tudo o que têm feito até agora, mas não chega. Teremos todos de trabalhar no duro, muito mais, para conseguir o objectivo de chegar à Segunda Fase, de apuramento do Campeão. O Cristiano Ronaldo, para ser o melhor jogador do mundo, trabalha diariamente muito. Só assim é que se conseguem as coisas, no futebol, como em tudo na vida.
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